quinta-feira, 21 de março de 2013

Vida e Morte de um Dia

O dia envelhecia triste. O que havia ocorrido com os sonhos de amanhecer? “Vou brilhar como nunca ninguém viu, tocando tudo da terra com meus dedos de luz. Tardarei em beleza”. Tudo é promessa no nascer do sol.

Infelizmente, o dia não pode prever tempo. As nuvens tomaram o céu de assalto, sufocando as manhãs e proibindo o luzir. Hoje era dia de escuro e o dia não sabia. Tentou lutar contra esses nimbos obstáculos. Buscava um rasgo nas nuvens para que pudesse pelo menos ver as coisas terrenas e talvez iluminá-las um tanto, um pouco: uma rajada de sol, uma lembrança da sua presença exilada.

Passavam horas e nada de luminar. A noite já se aproximava, lentamente, inevitável, para desespero do dia-fim de tarde. Às quatro em ponto, começou a chorar seus sonhos despedaçados em gotas, baixinho, fino. Sentia-se deitar nas árvores, nos homens, nos prédios, sem os ver e sem ser visto. Minuto a minuto, esvaziou-se sobre a terra, temeroso da morte.

A Natureza, mãe atenta, ouvindo o choro moroso do diminuto dia, decidiu fazê-lo belo nos momentos finais, um vestido mortuário de se lembrar sempre. Expulsou os nimbos com ventos de ordenança e pintou o céu de fúria, sonho e calor - azul, roxo, laranja, vermelho. As lágrimas chovidas do quase posto brilhavam diamantes na ponta das gramas verdes, dos cachos multicor das moças, das casas marrom-suburbano, sobre o asfalto úmido e sobre os carros prateados; disputavam apenas com o brilho de estrelas impossíveis que se apresentaram e da lua, que deixou de lado suas intrigas com o sol poente para poder mais iluminar o enterro.

O dia, deitado em seu caixão num cortejo de mil luzes, sorria. Nos últimos minutos conseguiu ser inesquecível para todos que o viveram. E foi assim, partindo lentinho, saboreando, descolorindo o céu de preto, puxando para si o manto estrelado da noite que vinha lhe sepultar.