Há beleza no fim de
tarde cheio de marasmo. Há beleza sentados na cama dos meus pais discutindo
besteiras. Há beleza nas cinzas do cigarro e nas cinzas do meu avô; há beleza
na banguela de São Paulo e na de minha avó; há beleza nos meus pés e aos meus
pés também há beleza.
Há beleza nos sete
pecados e há beleza nas sete virtudes; há beleza nas barbas cheias e há beleza
nos rostos sem pelo; o ouro dos palácios ofusca a beleza, e há beleza no ouro
dos palácios; há beleza no abismo e há beleza no eco; sem ela há beleza; no
violão há beleza; no retrato envelhecido, esquecido e empoeirado do contraparente
que nunca tive há beleza. Há beleza no seu tamanho, no seu minúsculo.
As cicatrizes do braço
gritam coragem e sangram beleza; em tudo que a bailarina não tem há beleza e na
bailarina beleza há; no amanhecer, há beleza; no entardecer, há beleza; no
anoitecer, há beleza. Nas frases de efeito o belo se perdeu no tempo, mas
continua; os templos são mais belos na devoção do povo.
No questionamento
entediado dos filósofos sobre “o que é o belo” descansa, adormecida, a beleza.
Na calça folgada a beleza escorre, perna acima, perna abaixo; no emaranhado de
pernas da cama também há beleza. A beleza da grandiosidade é grande, a beleza pequeneza
é grande.
A família reunida ao
redor da mesa come beleza; os meninos na rua brincam com ela; há beleza nas
mãos e no passo dos gatunos. Cai uma chuva lá fora e cai em beleza, os carros
rodando águas e a lua refletindo sobre o que tem para a noite.
A tela do cinema,
projetando nos espectadores o mundo, quer o belo; beleza também querem as
letras que vadiam nas páginas amarelas. Belo belo quero quero, viver é
fundamental. Há beleza na linha do horizonte e há também no beco. O beco é que
mais importa. Qualquer cidadezinha também tem boniteza.
Na repetição de beleza
há beleza.
O sentido de beleza
perde-se na banalização, e na banalização a beleza floresce: por todo lado
estão jardins – subterrâneos, suspensos, japoneses. As estrelas do céu e a
formiga do chão se comunicam por beleza; o rio corre beleza e a beleza corre
nos fios de cabelo do chefe do escritório, que parece ignorá-la mas que também
sonha.
A beleza não é
seletiva. A beleza não é moral. A beleza não julga. A beleza nos ri, morando
nas coisas menores, ri do nosso desejo de mais. A beleza está esquecida em nós,
mas a beleza está. A beleza há.
Em tudo construí uma
casa, e nessa casa mora um corpo que me pergunta: “cabe quanto coração?”.
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