segunda-feira, 15 de abril de 2013

Há Beleza


Há beleza no fim de tarde cheio de marasmo. Há beleza sentados na cama dos meus pais discutindo besteiras. Há beleza nas cinzas do cigarro e nas cinzas do meu avô; há beleza na banguela de São Paulo e na de minha avó; há beleza nos meus pés e aos meus pés também há beleza.

Há beleza nos sete pecados e há beleza nas sete virtudes; há beleza nas barbas cheias e há beleza nos rostos sem pelo; o ouro dos palácios ofusca a beleza, e há beleza no ouro dos palácios; há beleza no abismo e há beleza no eco; sem ela há beleza; no violão há beleza; no retrato envelhecido, esquecido e empoeirado do contraparente que nunca tive há beleza. Há beleza no seu tamanho, no seu minúsculo.

As cicatrizes do braço gritam coragem e sangram beleza; em tudo que a bailarina não tem há beleza e na bailarina beleza há; no amanhecer, há beleza; no entardecer, há beleza; no anoitecer, há beleza. Nas frases de efeito o belo se perdeu no tempo, mas continua; os templos são mais belos na devoção do povo.

No questionamento entediado dos filósofos sobre “o que é o belo” descansa, adormecida, a beleza. Na calça folgada a beleza escorre, perna acima, perna abaixo; no emaranhado de pernas da cama também há beleza. A beleza da grandiosidade é grande, a beleza pequeneza é grande.

A família reunida ao redor da mesa come beleza; os meninos na rua brincam com ela; há beleza nas mãos e no passo dos gatunos. Cai uma chuva lá fora e cai em beleza, os carros rodando águas e a lua refletindo sobre o que tem para a noite.

A tela do cinema, projetando nos espectadores o mundo, quer o belo; beleza também querem as letras que vadiam nas páginas amarelas. Belo belo quero quero, viver é fundamental. Há beleza na linha do horizonte e há também no beco. O beco é que mais importa. Qualquer cidadezinha também tem boniteza.

Na repetição de beleza há beleza.

O sentido de beleza perde-se na banalização, e na banalização a beleza floresce: por todo lado estão jardins – subterrâneos, suspensos, japoneses. As estrelas do céu e a formiga do chão se comunicam por beleza; o rio corre beleza e a beleza corre nos fios de cabelo do chefe do escritório, que parece ignorá-la mas que também sonha.

A beleza não é seletiva. A beleza não é moral. A beleza não julga. A beleza nos ri, morando nas coisas menores, ri do nosso desejo de mais. A beleza está esquecida em nós, mas a beleza está. A beleza há.

Em tudo construí uma casa, e nessa casa mora um corpo que me pergunta: “cabe quanto coração?”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário