segunda-feira, 28 de abril de 2014

este é o nosso segredo:
escrever nunca é o segredo.
é ser não esfinge mas édipo
decifrar, devorar, matar o pai
perfurar os olhos etc.

este aqui é o broche -
uma ponta aguda, os rios
de sangue em cada poema
gota é pouco

aqui veio morrer o sagrado
o inominável nominado
eis zeus e zeus se fez,
morreu aos cinquenta e oito
e deixou dois netos

e eis seus netos, assassinos
do avô: cortaram-lhe as rodas,
lançaram-nas ao mar - nada
aqui, aqui só, o Caos

o mundo é fácil, narciso vive
tudo é puro agrado
como vai? hasta la vista
até mais logo minha flor
e toda sorte virtuais

o horror, logo, isto
horror eu digo - eu grafo:
uma estátua queda no deserto
e os prodígios dos homens velhos
não valem nada mais - orfeu,
por deus, desvelai por nós!

domingo, 27 de abril de 2014

Histórias Sobre a Morte (III)

I.
a barbárie:
prender corpos em retângulos
nos porta-retratos
somos todos mortos

II.
ouvi de uma senhora:
"menino, pare com isso!
com a morte não se brinca"
hoje ainda a ouço, refeita
"menino, pare com isso!
com morte não se pode rimar"

III.
lançaram-se ao mar
rumo às terras indescobertas
alguns deles não saíram
do velho fim do mundo
outros conheceram o gigante
o resto foi buscar o fundo
todos se perderam no caminho
as terras são ainda indescobertas

IV.
pensei em escrever
a minha avó
num barco à vela
pensei na barbárie:
"com a morte
não se rima"